sábado, 3 de dezembro de 2016

Silogismo Anti-Sedevacantista 1 - Não é Falso Papa, é Papa Mau

Muitos católicos atualmente expressam preocupações acerca da possibilidade de terem de escolher por uma posição a eles tida como "tenebrosa", "imprudente" ou "desesperadora": o sedevacantismo.

Em razão disso, uma série de argumentos foram sendo elaborados com o tempo para desmerecer, refutar ou mesmo desmentir a análise que autores católicos adeptos do sedevacantismo faziam da realidade eclesial. Muitos já conhecem os contra-argumentos que refutam suficientemente tais objeções (especial menção aos do Pe. Anthony Cekada, sacerdote católico sedevacantista e norte-americano), mas a maioria desse material está presente em outras línguas, ou é de linguagem acadêmica, mais erudita, obscura à maioria das pessoas comuns.

Neste primeiro texto da série, vamos procurar trazer aos nossos leitores argumentos claros, simples e despretensiosos sobre o tema em tela; no entanto, isso não implicará em dizer que estamos despreocupados com a verdade - apenas que vamos tentar tratar do tema de modo mais acessível a todos os interessados. Boa leitura.

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ARGUMENTO DO PAPA MAU

Premissa 1:
Se um pai age de maneira egoísta, inconseqüente, desonesta, maliciosa, prejudicial ou danosa à esposa e aos filhos, ele é um mau pai;

Premissa 2:
Um mau pai, embora não honre sua paternidade, nem por isso deixa de ser pai;

Premissa 3: 
Ora, de modo análogo ao que tratamos um pai tratamos o papa, seja ele bom ou mau;

Conclusão: 
Portanto, do mesmo modo que tratamos o pai mau, tratamos o papa mau: ele não deixa de ser papa, assim como o pai mau não deixa de ser pai.

Sendo assim, do mesmo modo que se resiste ao pai mau, assim também deve-se resistir ao papa mau - sem que isso lhe retire o pontificado, do mesmo modo que a resistência ao mau pai não o livra da paternidade. Logo, a posição sedevacantista seria exagerada, imprudente e irracional, porque escolheria uma falsa resposta para a resolução da crise na Igreja.

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Neste arrazoado acima descrito, as premissas 1 e 2 estão corretas, mas a premissa 3 exige distinções e modulações para ser verdadeira. Como a analogia é feita de maneira irrestrita e sem as devidas distinções, a conclusão que se seguiu acima é falsa.

Portanto, analisemos a premissa 3. 

Nesta premissa, defende-se que devemos fazer uma analogia entre a figura do PAI e do PAPA. Mas essa analogia tem limites, não é integral, completa (até porque, se fosse integral e completa já não seria analogia, mas identidade). Explico:

Primeiro, a paternidade é um atributo sócio-biológico, decorrente da própria natureza humana. O papado não: o papado é um cargo dentro da estrutura hierárquica da Igreja Católica, não é decorrente da natureza humana

Segundo, a paternidade não pode ser renunciada nem perdida de modo algum: uma vez pai para sempre pai, vivo ou morto. Já o papado não, o papado pode ser renunciado ou perdido: uma vez papa, pode deixar-se de ser papa.

Terceiro, o poder do pai na família é um poder dominativo, de caráter privado. E o papado? O papado não é um poder de caráter privado, mas sim de caráter público - é um poder jurisdicional.

Quarto: enquanto o pai realiza sua função principalmente mediante ordens particulares (que não desfrutam de qualquer grau de proteção divina especial), o papa realiza sua função principalmente através da promulgação de leis universais (que desfrutam de um grau especial de proteção divina especial, a saber, a indefectibilidade proveniente dos objetos secundários da infalibilidade da Igreja). 

Em quinto lugar, as principais ações do pai são pontuais, voltadas para alguns poucos súditos - mas as principais ações do papa são gerais, voltadas para todos os católicos do mundo.

Se bem analisadas essas cinco diferenças, nós veremos que é totalmente inapropriada a conclusão dos que pretendem refutar o sedevacantismo afirmando isso, posto que ao promoverem a analogia entre um papa mau com um pai mau, fazem isso como desculpa para rejeitarem os ENSINAMENTOS MAGISTERIAIS desses papas conciliares, as suas CANONIZAÇÕES, as LEIS UNIVERSAIS e RITOS LITÚRGICOS que por eles foram aprovados.

No entanto, fazer isso é rejeitar o ensinamento da Igreja sobre o objeto secundário da infalibilidade da Igreja, conforme o ensinamento da bula Auctorem Fidei (proposição condenada LXXVIII), do papa Pio VI; do breve Quo Graviora (§17.2), do papa Gregório XVI; e também conforme o papa Leão XIII, na carta Testem Benevolentiae Nostrae (§5.4-5) e do Concílio Ecumênico de Trento (sessão VII, cânon 13), encabeçado pelo papa Pio IV.

Ademais, todos os grandes manuais de teologia dogmática confirmam que o objeto secundário da infalibilidade também desfruta de garantia do Espírito Santo de não oferecer aos fiéis algo prejudicial à fé ou moral católicas, embora não do mesmo modo que uma declaração ex-cathedra (coisa que trataremos no futuro). Vide, por exemplo, o que escreve o teólogo Michael Schmaus, ao descrever o alcance da infalibilidade papal (§177, 2, b), ou ainda o teólogo Ludwig Ott, debatendo sobre a infalibilidade da Igreja no seu objeto secundário (2ª parte, c.4, §13, 2, b).

Portanto, como o alcance da analogia da premissa 3 é extrapolado pela conclusão, segue-se claramente que ela não pode ser verdadeira - donde, não pode ser aceita como argumento verdadeiro, nem objeção válida ao sedevacantismo católico.

Isso, obviamente, não significa que a analogia do papa como pai mau seja sempre ilegítima. Quando um verdadeiro papa dá aos fiéis uma ordem má, ele pode ser resistido - e nisso há forte testemunho da história e do ensinamento católico, seja do Magistério Eclesiástico, seja dos escritos dos Santos, seja do consenso moralmente unânime dos teólogos católicos aprovados pela Igreja. 

Mas, como essa analogia não é válida quando se usa dela para rejeitar ou resistir, por exemplo, a um rito litúrgico (a missa nova de Paulo VI), a uma canonização ou uma lei universal (o Código de Direito Canônico), esse silogismo anti-sedevacantista é falso, pois como um verdadeiro papa não pode fazer essas coisas (e no entanto elas de fato foram realmente feitas), o sedevacantismo permanece sendo uma explicação viável para a crise da Igreja.

Um comentário:

de Freitas disse...

E pensar que o prof. OF usava esse argumento contra o sedevacantismo.