terça-feira, 19 de agosto de 2008

Furacões na Cidade... de Deus - parte II

Continuando o capítulo 11 do livro Os Jesuítas, de Malachi Martin. Colocarei, futuramente, algumas imagens modernas sobre os fatos análogos aos aqui neste texto referidos, para demonstrar que longe de tais afirmações serem problemáticas ou historicamente pontuais, tornaram-se uma perigosa permanência:

"Quando a violência dos ventos passou e o novo dia amanheceu, as pessoas olharam à sua volta e descobriram que, de repente, o latim universal da missa havia desaparecido. Ainda mais estranho: a própria missa romana desaparecera. Em seu lugar havia um novo rito que se parecia com a missa antiqüíssima como [na mesma proporção em que] um barraco se parece com uma mansão palaciana. O novo rito era dito numa babel de línguas, cada qual dizendo coisas diferentes. Coisas que pareciam anticatólicas. Que apenas Deus, o Pai, era Deus, por exemplo; e que o novo rito era "uma ceia comunitária", não uma re-apresentação da morte de Cristo na Cruz; e que os padres não eram mais sacerdotes de um sacrifício, mas ministros à mesa servindo a convidados numa ceia comum de amizade.

É verdade que o papa que presidia tais enormidades de aberração doutrinária, Paulo VI, tentou recuar um pouco em direção à primeira e única Missa Romana. Mas era tarde demais. O caráter anticatólico daquele novo rito persistiu.

A devastação daqueles furações não tinha parado ali. Igrejas e capelas, conventos e mosteiros tinham sido despojados das suas imagens. Altares de sacrifício tinham sido removidos, ou pelo menos, abandonados, e em vez disso tinham diso colocadas em frente ao público mesas de quatro pés, como se preparadas para uma ceia agradável. Sacrários foram retirados, juntamente com a crença fixa sobre o sacrário de Cristo como a essência da Missa. Paramentos foram modificados ou postos inteiramente de lado. Balaustradas para a comunhão foram removidas [o autor se refere aos genuflexórios para a recepção do Corpo de Cristo de joelhos e na boca - nota nossa]. Os fiéis foram instruídos a não mais se ajoelharem quando recebessem a Santa Comunhão, mas ficarem de pé como homens e mulheres livres, e a receberam o Pão da Comunhão e o Cálice do Vinho da Comunhão em suas mãos democráticas. Em muitas igrejas, membros da Congregação eram imediatamente expulsos por "perturbação pública da adoração" se tivessem a ousadia de genuflectir ou, ainda pior, ajoelhar-se, para a Santa Comunhão do novo rito. A polícia era chamada para expulsar os infratores mais graves, aqueles que se recusavam a 'cooperar' e se recusavam a sair.

Fora das igrejas e das capelas, missais romanos, cartões de comunicação de missas fúnebres, livros de orações, crucifixos, as vestes dos altares, paramentos da missa, balaustradas para a comunhão, até púlpitos, imagens e genuflexórios, bem como as estações da Via Sacra eram atirados às fogueiras e depósitos de lixo das cidades, ou vendidos em leilões públicos onde decoradores de interiores os arrematavam a preços irrisórios e lançavam um "estilo eclesiástico" na decoração de apartamentos e de casas elegantes dos subúrbios. Um altar de carvalho esculpido dava uma "penteadeira" tão original...!

A reação a isso tudo não foi apenas imediata; foi turbulenta e constante. Mas não pense, por um minuto sequer, que foi uma reação de horror, de inquietação, de insistência para que se acabasse com a barbaridade que as coisas sacras e sacrossantas fossem restauradas. Muito pelo contrário.

O comparecimento à missa diminuiu imediatamente, e em dez anos havia caído 30% nos Estados Unidos, 60% na França e na Holanda, 50% na Itália, 20% na Inglaterra e no País de Gales. Outros dez anos, e 85% de todos os católicos da França, Espanha, Itália e Holanda nunca foram à missa. A população dos seminários teve queda vertical. Na Holanda, 2000 padres e 5000 irmãos e freiras religiosas abandonaram os seus ministérios. Existe, hoje, 1986, em média um novo padre ordenado por ano naquele país, onde antes havia uma média de dez. Quedas semelhantes foram registradas em outros países. Nos doze anos de 1965 a 1977, cerca de doze a quatorze mil sacerdotes no mundo inteiro solicitaram dispensa dos seus deveres, ou simplesmente foram embora. Sessenta mil freiras deixaram seus conventos entre 1966 a 1983. A Igreja Católica nunca sofrera perdas assim tão devastadoras num espaço de tempo tão curto.

Muitas freiras professoras simplesmente se desfizeram de seus hábitos religiosos, compraram logo trajes leigos, cosméticos e jóias e deram adeus aos bispos locais que até então tinham sido seus superiores, declararam-se constituídas como educadoras americanas comuns, decentes e íntegras, e seguiram suas carreiras. O número de confissões, comunhões e crismas diminuiu, no mundo inteiro a cada ano, de uma média de 60% de católicos praticantes em 1965 para um número situado nalgum ponto entre 25% e 30% em 1983. As conversões ao catolicismo diminuíram dois terços. (idem à anterior)

Aqueles que ficaram - clérigos e leigos - não estavam satisfeitos com a tentativa de abolição da Missa Romana tradicional, com as alterações gerais do ritual e da adoração católica, e com a nova liberdade de lançar dúvidas sobre todos os dogmas. Aquilo não era o bastante. Elevou-se um clamor em favor do uso de anticoncepcionais, da legalização das relações homossexuais, de tornar o aborto opcional, da atividade sexual pré-marital sob certas condições, do divórcio e do novo casamento dentro da Igreja, de um clero casado , da ordenação de mulheres, de uma rápida união improvisada com as igrejas protestantes, da revolução comunista como meio não apenas de resolver a pobreza endêmica, mas de definir a própria fé.

Passou a ser moda uma nova forma de blasfêmia e sacrilégio. Para os católicos homossexuais, o "discípulo que Jesus amava" adquiriu novo significado. Não tinha aquele discípulo "se apoiado no peito de Jesus" na Última Ceia? Com isso, o amor do homem pelo homem estava consagrado, não? Sacerdotes homossexuais em paramentos cor de alfazema rezavam missa no novo rito para congregações homossexuais.

E se podia ser assim para os homossexuais masculinos, o que dizer do amor da mulher pela mulher? Só as mulheres católica da geração da década de 60 foram suficientemente inteligentes para perceberem que eram vítimas do preconceito sexual eclesiástico; para elas, chegara finalmente o dia do acerto de contas com a antiqüíssima Igreja preconceituosa em matéria de sexo. Surgiu, então, a Igreja feminina - um desses medonhos e populares termos que significava reuniões de mulheres em apartamentos onde Ela (Deus, a Mãe) era adorada e recebia agradecimentos por ter enviado seu Filho (Jesus) pelo poder fertilizante do Espírito Santo (sendo Ela mesma a Mulher "primoprimordial").

Apoiando essa variegada plêiade de mudanças e mudadores e vira-casacas, lá veio marchando toda uma falange de irrequietos "peritos". Teólogos, filósofos, peritos litúrgicos, "facilitadores", "coordenadores sócio-religiosos", ministros leigos (masculinos e femininos), "diretores de práxis" - fossem quais fossem seus títulos divulgados entre a massa, estavam todos procurando duas coisas: convertidos à nova teologia e briga com os maltratados tradicionalistas que estavam em retirada. Um dilúvio de publicações - livros, artigos em revistas, novas revistas, boletins, cartas-circulares, planos, programas e resumos - inundou o mercado católico popular. Os "peritos" questionavam e "reinterpretavam" todo dogma e toda crença, tradicional e universalmente esposados pelos católicos. Tudo, na verdade, e em especial as coisas difíceis da fé católica romana - penitência, castidade, jejum, obediência, submissão - ficou sujeito a uma modificação violenta, da noite para o dia."

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Excertos de uma carta de Sto Atanásio a seus fiéis

São os santos verdadeira fonte de sabedoria segura, e de considerações exemplares para nós. Muitas vezes, as amarguras que sentiram diante dos problemas, tentações e embates são prenúncios daquilo que nós, homens comuns, um dia teremos como impossível evitar em nossas vidas privadas. Não a tôa, são também tradicionalmente conhecidos como "Espelhos de Cristo".

Vejamos o que um desses reflexos do Verbo - Santo Atanásio - nos deu a conhecer, em uma carta dirigida aos fiéis perseguidos pela onda heterodoxa de sua época (o arianismo), que por sua vez continha, para espanto e escândalo de muitos, maior número que os ortodoxos.

_____

(...)

"Que Deus vos console! O que vos entristece também é que os outros ocuparam as igrejas pela violência, enquanto que vocês estão fora. É um fato, eles têm os locais, mas vocês têm a fé apostólica. Eles podem ocupar nossas igrejas, mas estão fora da verdadeira Fé católica. Pensem bem, o que é mais importante: o local ou a fé? A verdadeira fé, é evidente! Nesta luta, quem é o vencedor, quem é o derrotado? O que mantém o local ou o que guarda a fé? O local, é verdade, é bom, quando ali se prega a fé apostólica; ele é santo se tudo ali respira a santidade.

Vocês são felizes, os que permanecem na Igreja pela fé, vocês que estão firmes nos fundamentos da fé que lhes foi transmitida pela santa Tradição apostólica. E, se por diversas vezes uma inveja odiosa quis derrubá-la, foi em vão. São estes que se desligaram dela na crise atual.

Ninguém jamais prevalecerá sobre a fé, meus irmãos muito amados. E cremos que um dia Deus nos devolverá nossas igrejas.

Assim, portanto, mais eles se esforçam para ocupar os lugares do culto, mais eles se separam da Igreja. Eles pretendem representar a Igreja; na realidade, eles se expulsam a si próprios e se perdem. Os católicos fiéis à Deus na Santa Tradição, mesmo reduzidos a um pequeno grupo, são estes a verdadeira Igreja de Jesus Cristo."

_____

Mais do que nunca, essas palavras de Santo Atanásio nos fazem refletir sobre a situação que sofrem todos os católicos nos tempos hodiernos. Vendo por incontáveis vezes, em inúmeros lugares, os sinais de apostasia e desprezo da fé, são estimulados a acreditar que o abominável é a regra dentro dos templos de Deus, e o cristianismo que antes era a seiva pulsante da sociedade ocidental, agora é mero apêndice incômodo e urticante, que irrita ao mero contato suave.

É, os tempos mudaram... para pior!

Agora, padres que impedem os fiéis de se ajoelharem diante de Cristo Eucarístico durante a missa, dizendo: "Não, não ajoelhem. Agora não é momento de adorar! É comemoração, refeição e festa! Ceia fraterna!". Coroinhas vestidas com micro-saias, e com vestes cujas costas e parte da cintura estão completamente - eu disse COMPLETAMENTE - visíveis.

Padres que fazem chacota das coisas sacras, brincando com as imagens do Cristo e dos Santos durante as homilias. Pessoas que antes foram ladrões de hóstias consagradas ou maçons, agora são "Ministros" e "ministras" extraordinários da eucaristia, com chaves próprias do sacrário e tudo mais. Bailarinos e raparigas dançando durante a celebração, teatros e representações com nítida inspiração pagã. Proibição de se ajoelhar ou mesmo de receber diretamente nos lábios o Corpo de Cristo, violando os direitos legítimos dos fiéis. "Visitas" do padre à assembléia durante a celebração da missa, omissão de orações e funções dele em favor dos "ministros extraordinários". Consagração coletiva das espécies eucarísticas do pão e vinho, "presidência" ministerial inserindo inapropriadamente orações e reflexões - com alto teor de termos inócuos - durante a missa.

"Show-missas" com padres cantores, freiras dançantes, irmãos consagrados guitarristas, bispos bateristas. Banhos de água benta distribuída através de arremessos de balde. Decorações litúrgicas grotescas: missa-queijo, missa-halloween, missa-dance, missa-rock, missa-balada, missa-caipira, missa-afro, missa-umbandista, missa-hindu, missa-budista, missa-xintoísta, missa-taoísta, missa-artística, missa-mágica, missa-carnaval, missa-campesina, missa-guerrilheira, missa-comunista, missa-teatral, missa-acrobática, missa-circo, missa-semi-nudista, missa-farofeira, missa-dark, missa-gótica, missa-wicca... Altares "exóticos", que vão desde a uma superfície de toco de madeira, uma mesinha de centro numa casa da periferia, o capô de um carro até caixas de papelão, canoas, mostruários infláveis de produtos alcoólicos, sacos de feno, na grama mesmo.

Homilias bombásticas, recheadas de politicagem rasteira, portentosas manifestações de vaidade ignorante, que quando não sabe o que falar, aproveita-se daquelas clássicas fórmulas que nada falam de substancialmente católico, tão etéreas e repisadas que são: "O que importa é o amor!", "Vamos trabalhar por um mundo mais justo e fraterno!", "A comunidade humana deve sempre buscar a paz!", "Nós somos chamados a sermos mais humanos!", "A nossa tolerância para com o próximo é o que importa!", "O mundo precisa de nós, porque nós precisamos do mundo!". Quando não são vazias, erros doutrinais rotineiramente permeiam o começo, meio ou fim. Dizer "Nossa Senhora, como nós, também teve os seus pecados..." já não causa mais escândalo. Defender que Jesus foi um revolucionário social - apenas - também não; e muito menos dizer que toda a humanidade é Filha de Deus e pertence à Igreja!

Terço? Não, esta é a oração das velhotas caducas, incapazes demais para compreender os "tempos modernos" nos quais você reza de verdade enquanto pula a cerca de uma propriedade privada produtiva, sob os auspícios da CNBB e MST, para fazer destruição em favor da Igreja "povo de Deus'! É o terço do oprimido!

Meditação? Só a zen-budista, ou aquelas acompanhadas de atividades físicas orientais, como Tai Chi Chuan ou Yoga. O negócio é esvaziar a cabeça, acender o incenso e ficar no OOoommmm.... OOOOoooommmm.... AAAaauuuummmm... ou talvez mofar ao som duma música "New Age" durante o banho de sais, convenientemente acompanhados de pirâmides ou cristais místicos, numa banheira de madeira feita por um ermitão do Himalaia!

Atos de misericórdia corporal? Mas os agentes do serviço social municipal já têm isso como função deles, e eu já não pago impostos ao governo para serem recolhidos os mendigos e indigentes das ruas. Atos de misericórdia espiritual? Quem sou eu para corrigir os que erram, ou consolar alguém, ou dar bom conselho? Há escolas e psicólogos para isso hoje, entupidos de teorias magníficas que respondem o que você quiser, do jeito que te for mais conveniente - afinal, tudo é relativo!

Devoções? Claro que temos! Afinal, não amamos de paixão a Britney Spears, a dupla Gino e Geno, a Avril Lavigne, bem como o Ronaldinho Gaúcho, o atleta Michael Phelps, as Tartarugas Ninja, os Pokemón, os Smurfs, Power Rangers, Bob Esponja... e até o Dalai Lama e aquela turma incrivelmente "sensata" que defende com unhas e dentes a eficácia do livro "O Segredo"?

Oração? Não é aquela coisa que se ensinam nas aulas de análise sintática, nas apostilas de gramática? Oração não é sinônimo - ordinariamente falando - de uma frase qualquer? Não? Ah, já sei! Oração é aquele negócio dos pentecostais, né? Tipo assim: "Sahndalaybaricandara Sautiandara Belonbaradankara Marisuryanbala"!

Deus do céu, ajude-nos!

Se os tempos da Atanásio eram por eles considerados escandalosos e heréticos, a que epíteto deve esta modernidade corresponder? Satânicos, no mínimo?

Deixando o cinismo de lado, paro por aqui esse verdadeiro desfile de horrores, - e olha que não falei dos seminários, casas de (de)formação, editoras "católicas" e outros lugares onde as peripécias de uma mentalidade imbecil vão deixando seus rastros, emporcalhando o resto de catolicismo de fato que sobrevive no mundo - para lembrar ao mundo que se putrefaz diante do abandono do seu referencial absoluto (que é Deus Nosso Pai, e Jesus Cristo, Nosso Senhor) - mas paro consciente que a Igreja Católica vista por todos nós têm uma considerável responsabilidade nesse processo dessacralizador, e sua laicização favoreceu (e continua a favorecer) a desgraça do antropocentrismo, do modernismo, da heterodoxia e da síntese entre posições irresistivelmente irreconciliáveis.

Que a voz daqueles que são fiéis permaneça gritando a Verdade, antes que, no dia derradeiro, sejamos condenados por nossa omissão vergonhosa que levaria muitos à perdição perpétua. Retomar os postos perdidos para os bastiões da destruição, educar os povos segundo a Sã Doutrina, instigar-lhes vida santa e fidelidade àquilo que é certo e santo, defender a Igreja dos ataques que contra ela se levantam, cristianizar as gentes e imbuí-los de Cristo Jesus, seu Evangelho e da sua Tradição que permanece nos filhos fiéis da Santa Madre Igreja, evangelizar e favorecer de todos os modos e maneiras a Salvação.

É missão árdua, como foi a de Santo Atanásio, defender a integridade do verdadeiro catolicismo.

Mas a Força Suprema que o ajudou, também nos ajudará. Amém.

sábado, 16 de agosto de 2008

Furacões na Cidade... de Deus - parte I

Esse texto magnífico do padre(*) exorcista Malachi Martin traz uma espantosa imagem analógica, referente aos efeitos imediatos do conhecido evento paradigmático da catolicidade no século XX: O Concílio Vaticano II.

Eis o capítulo 11 do livro "Os Jesuítas":

"Coloque-se na posição de um morador de uma cidade que nasceu e cresceu nela, e segue para o trabalho pelo caminho que você tem usado todas as manhãs nos últimos vinte ou trinta anos. Segue por uma longa avenida, depois dobra uma certa esquina e segue por outra avenida que parece que nunca mudou. É isso. Você tem feito isso cinco vezes por semana, quem sabe por quantas semanas, ano após ano. A manhã é como todas as outras manhãs, numa cidade que é exatamente como sempre foi para você ontem, no mês passado, e lá até onde você pode se lembrar.

Por isso, você anda sem praticamente perceber os pontos característicos e todas as coisas que você conhece tão bem e que lhe dizem que você está ali em casa - as calçadas, os cruzamentos de ruas transversais, os sinais de tráfego, árvores, postes, lojas, prédios; o ritmo crescente e decrescente dos carros, ônibus, caminhões; as bancas de jornais, o homem de sempre mendigando em seu posto permanente, a mistura de sons de vozes e de máquinas, os cheiros no ar, até mesmo as usuais variações de tempo; as multidões de homens de negócios, funcionários de escritórios, operários de construções, donas de casa passeando com seus cachorros, mensageiros, turistas, gente fazendo compras, ociosos, vadios.

Tudo é tão esperado, tão previsível, tão tranqüilizador, que não importa o nível do barulho ou movimento irregular das coisas na rua, num certo sentido tudo aquilo garante a sua paz de espírito. Dobrando aquela conhecida esquina, tudo será como sempre foi. É isso que você presume inconscientemente. E com razão, porque certas coisas não mudam. A vida é baseada nessa premissa, em especial os atos insignificantes da vida - como ir a pé para o trabalho.

Mas imagine-se dobrando aquela esquina e sendo subitamente apanhado por trás por uma rajada de vento forte, que parece ter surgido do nada e em sua passagem furiosa despedaça prédios, derrubando alguns deles, atirando pessoas para todo lado, enchendo as calçadas de destroços, arrancando árvores e sinais de trânsito, transformando o céu sobre a sua cabeça com uma cor de crepúsculo, e torcendo a retidão da avenida que permitia uma visão clara, deixando-a parecida com um saca-rolhas, enquanto leva, a contragosto, você e todos e tudo mais em direções estonteantes. É uma mudança tão total, tão abrupta, tão irresistível mesmo, que você já não sabe onde está, para onde está indo ou o que está acontecendo.

Antes que você tenha tempo de perceber não consegue se orientar, outra rajada forte de vento misturando-se à primeira vem gritando de forma incoerente nos seus ouvidos e, para deixá-lo ainda mais em pânico, parece afetar a maioria das pessoas que o cercam com uma espécie de prazer estático, de modo que elas se atiram sem resistir nas violentas lufadas daqueles dois ventos que agora levam todo mundo, inclusive você, para um lugar de onde você não avista nenhum dos seus velhos pontos de referência conhecidos. É tão estranho o efeito da segunda lufada, que mesmo com toda a sua violência e confusão, a coisa mais desorientadora, para você, é a estranha euforia de expectativa e de prazerosa confiança que parece tomar conta da maioria das pessoas que estão sendo atiradas de um lado para o outro enquanto você e elas são empurradas numa viagem desconhecida e não registrada nos mapas.

Um elemento bizarro dessa euforia perturbadora é a maneira pela qual as pessoas começam a conversar, quer entre si, quer com Deus. Parece que, num instante, eles aprenderam uma nova linguagem, estão pensando tudo com conceitos disseminados em massa e pré-fabricados: "Não adore a vertical! Adore na horizontal!" "Tudo o que ajudar o crescimento criador para a integração" "Precisa-se de facilitadores!" "Como está o seu desempenho interpessoal?"

E, como se isso já não desorientasse o bastante, um tom quase maníaco, num volume que quase chega à histeria, penetra de vez em quando na vasta confusão, quando homens e mulheres, alegando o dom de línguas do Espírito Santo, começam a emitir sons sem sentido com rapidez. "Ik bedam dam bula" (Ou a versão brasileira: "Shandalay baricandara Surianda Mare balashuria" - nota nossa) - ou coisa parecida, ouve-se um cardeal católico romano dizer extasiado, garantindo a confusão no mais alto posto. Gloriosa confusão. Eufórica confusão.

Por um instante, você fica tentado a juntar-se a todos e entrar num mundo mágico, fictício. Mas dúvidas absurdas o assaltam, sem que haja respostas consoladoras. Por que não houve aviso? Onde estavam aqueles ventos a momentos antes de atacarem? Estariam escondidos o tempo todo? Lá acima das nuvens, talvez, ou pairando em algum ponto longe das ruas e dos prédios? Ou será que vieram de regiões estranhíssimas e distantes? Por que estão todos tão euforicamente confiantes no futuro, mesmo enquanto estão sendo arrastados nas costas desses ventos? Será que o seu alegre salto à frente para a escuridão está iluminado por anseios e informado pelo seu instinto do divino? De onde vieram seus novos conceitos? E a sua nova língua?

Quaisquer que sejam as respostas, você sabe que não pode voltar atrás para o que era antes. Ninguém terá condições de voltar outra vez para os velhos locais conhecidos. As coisas nunca serão as mesmas em sua cidade natal.

Talvez seja aquela perfeita percepção que subitamente faz com que uma coisa pareça certa e clara em sua mente: de onde quer que tenham vindo, aqueles dois violentos furacões - o que derrubou tudo o que era conhecido, e o outro que meteu aquela estranha euforia na cabeça das pessoas - não eram tempestades normais.

Esse cenário, por fantástico e surrealista que seja, mal é suficiente para dar a idéia da totalidade e da rapidez da mudança e da estranha euforia que arrebatou os católicos romanos - e, surpreendentemente, também os jesuítas - na década de 1960. Porque todo um sistema tradicional de vida e prática religiosa foi aparentemente eliminado com aquela rapidez, sem aviso. Uma mentalidade de séculos foi levada na enxurrada de um furacão de mudança. Em certo sentido, um determinado mundo de pensamento, sentimento e atitude deixou de existir - o antigo mundo católico centrado na autoridade de um pontífice romano; a rígida alternativa entre apenas duas opções do dogma e da moralidade católica; o comparecimento à Missa, a freqüência à confissão e da santa comunhão; o Rosário e os vários atos piedosos e devoções da vida paroquial; a militância dos leigos católicos romanos em defesa dos valores católicos tradicionais. Todo esse mundo foi aniquilado, por assim dizer, da noite para o dia."
______

(*) Há informações divergentes quanto ao verdadeiro grau de sacerdócio do referido Malachi Martin. Embora publicamente fosse considerado apenas como um padre, pessoas próximas do exorcista (é o que dizem Fr. Paul Trinchard e Pe. Rama Coomaraswamy) afirmaram que ele havia sido sagrado epíscopo, isto é, bispo. Restam algumas probabilidades: Teria sido sagrado "in pectore" por Pio XII ou algum outro bispo? Teria sido sagrado por algum bispo da linhagem "Thuc" - haja visto que colaborou ativamente com López-Gastón na sagração de Rama Coomaraswamy, como demonstram as fotos presentes neste link (http://www.the-pope.com/validity.html)? Outro boato seria que Malachi teria sido um cardeal antes da morte, mas não há dados, fotos ou documentos que confirmem essa teoria. Não sabemos perfeitamente, mas há fortes indícios de que pelo menos uma coisa seja procedente: Malachi Martin teria sido bispo no final da vida.